domingo, 26 de dezembro de 2010

A saga de uma raça IV – Albino Biazon - o imigrante italiano

História feita de fatos


Corria o ano de 1999 quando homenageamos várias famílias de imigrantes italianos: Domingos Carminholli e sua esposa Catarina, em merecido descanso em sua chácara em São Pedro enquanto os filhos administram um Colégio em SBC. Hélio Santo André, também filho de imigrantes que ainda vive e trabalha num sítio nos arredores de São Pedro, SP. Hélio Santo André, apesar do nome, ainda não visitara Santo André, a progressista cidade do ABC paulista. Em seu sítio, vi a máquina de beneficiar arroz e outra de café, a roda d'água, tudo feito de madeira por ele próprio. Também descendente de imigrantes italianos, o professor José Pedro Ferracini, de Ibiúna, SP, foi objeto de reportagem que leva o título UM PROFESSOR NOTA DEZ, pois o Zeca, como é mais conhecido por lá, para chegar ao bairro de Lúcios, situado dentro da área do parque ecológico de Jurupará, onde lecionava, percorria 52 km, 28 dos quais tinha que fazer a pé. Outros imigrantes que fincaram raízes em terras, brasileiras relatados por mim, foram: João Fanzim, fazendeiro em cujas terras jorraram águas sulfurosas onde hoje está situada a estância hidromineral de Águas de São Pedro; Relatei também como nasceu o Expresso Piracicabano (hoje Viação Piracicabana, uma das maiores e bem equipadas empresas de ônibus da atualidade), em 1937, pelo imigrante italiano Atílio Raimundo Gianneti, sua empresa de transporte de passageiros iniciada com oito automóveis da marca Ford, cobrindo o trajeto diário de Piracicaba a São Paulo, trecho tradicionalmente operado por trens. Mais recente aceitamos a incumbência de escrever as memórias de Carlo Coianiz, natural de Friuli, Itália. Carlo fez fortuna em solo brasileiro fundando a indústria Ibrasmak, especializada no fabrico de máquinas a indústria da carne, sediada em Ribeirão Pires, SP. Infelizmente faleceu antes do lançamento do livro. Uma semana antes do seu falecimento entreguei-lhe os arquivos gravados em CD. Perdi o contato, não sei se os filhos mandaram imprimir a obra.

Valério Baptista Antonio Fávero, gestor do Projeto Sob Medida, escola de alfaiataria para formação de mão-de-obra, na capital paulista. Seu avô, Valério Ozônio Fávero, nascido na província italiana de Treviso - Região do Vêneto - nordeste da Itália, fugindo da miséria, chegou ao Brasil como imigrante em 1888. O valoroso Valério, que também recebeu de nosso jornal um diploma de Honra ao Mérito, foi indicado por mim e aceito prontamente para receber o Prêmio Magnífico em 2007, honraria concedida pela brilhante jornalista e apresentadora ex-Globo, Zildetti Montiel. Em justa homenagem Valério fez parte das inúmeras personalidades laureadas no dia 19 de dezembro de 2007, nas dependências da badalada Mansão Hasbaya, na capital paulista.

Digno de nota encontrei nas páginas da revista semanal ISTOÉ Gente editada na capital paulista, de grande circulação no Brasil, na edição de maio de 2003 a matéria: "A saga de Consolado Laganá - O artista dos Sapatos". Este no mesmo ano em que imigrava Albino Biazon, mais um imigrante italiano fugia da crise na Europa, em 1922, para tentar a vida no Brasil, e acabou calçando a elite paulistana. Laganá disse que quase teve um ataque quando o luxuoso automóvel do conde Francisco Matarazzo parou na porta de sua sapataria. "A condessa Mariângela queria que eu a atendesse em domicílio." O sapateiro pegava o bondinho e seguia para o Vale do Anhangabaú. De lá, andava até a mansão, na Avenida Paulista. Por causa da cliente ilustre, começou a fazer sapatos das mulheres dos políticos Francisco Prestes Maia e Adhemar de Barros. "Houve uma época em que a mulher não entrava para a sociedade se não estivesse calçando um sapato Laganá", orgulhava-se."
Outro mestre dos sapatos sob medida foi o calabrês Pellegrini que, além de calçar a elite paulistana e brasileira, tinha também a preferência de Primo Carnera, lutador de boxe italiano, famoso nos anos 40, tamanho 52. O gigante italiano era primo de um funcionário da sapataria e por isso conseguia que lhe enviassem, na Europa, os "sapatinhos" feitos sob medida no Brasil. E o sucesso na preferência dos famosos não parou por aí. Ilustres homens da vida pública nacional fazem seus sapatos com os Pellegrini o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso é um deles.

FALAR EM IMIGRANTE ITALIANO SEM MENCIONAR FRANCISCO
MATARAZZO É O MESMO QUE IR A ROMA E NÃO VER O PAPA

Em 1999, em São Pedro, SP, entrevistei o barbeiro Francisco Serra. Enquanto cortava meu cabelo, falou-me do conde Francesco Antonio Maria Matarazzo (Castellabate, 9 de março de 1854 — São Paulo, 10 de dezembro de 1937), também chamado de Francisco Matarazzo, imigramte italiano e criador do maior complexo industrial da América Latina do início do século XX. Sua importância para o cenário econômico do Brasil só é comparável a que teve o visconde de Mauá no Segundo Império, tendo sido um dos marcos da modernização do país. É o patriarca da família Matarazzo. Ao completar 80 anos, era de longe o homem mais rico do Brasil a época, sendo que a riqueza produzida por suas indústrias ultrapassava o PIB de qualquer estado brasileiro, exceto São Paulo. “Trabalhei muitos anos no Grande Hotel em Águas de São Pedro e sempre que via chegar aqueles dois Cadilacs pretos, já sabia: um trazia o conde e o outro, sua esposa. Com a condessa, viajava a dama de companhia. No carro do conde, vinha também seu secretário particular, um japonês que falava várias línguas. Na recepção, o conde marcava hora com o barbeiro, exigindo que fosse eu, mas deveria estar no apartamento 432 as 09h00 em ponto. Enquanto fazia sua barba, o japonês repassava as notícias de política e economia de três jornais: O Estado de São Paulo, Corriere della Sera e New York Times." _disse.
“ Certa vez tomei coragem e perguntei-lhe: - Conde, por que a placa seu carro é a 001 de São Paulo e o da condessa 003?”. Veio a resposta: “É por causa de um farabuto (velhaco) que não quer me vender a 002”. - completou, sorridente, o saudoso Ditinho.








A saga de uma raça IV – Albino Biazon -
o imigrante italiano






Desde que passei a escrever tenho como norma
de conduta esta máxima: "O jornalista faz a história,
história feita de fatos". Assim pensando é que
passo a narrar o quarto artigo da série
A SAGA DE UMA RAÇA, O IMIGRANTE ITALIANO.

Muito já se escreveu sobre o abandono da pátria por famílias inteiras fugindo da guerra, uma nodoa vergonhosa que ainda não foi escrita em todos os seus detalhes e abusos arbitrários. O que tem vindo a tona são os heroísmos de alguns destemidos que deixaram para trás tudo que possuíam, embarcando em navios apinhados de gente, em condições precárias de higiene e conforto, viajando meses a fio rumo a uma terra distante. Há, porém, no contexto desse fato histórico brasileiro verdadeiras jóias lapidadas por estes imigrantes que ficaram escondidas na bruma do tempo. Cada uma dessas preciosidades precisa ser resgatada pelos nossos historiadores. Hoje trago aos leitores uma dessas belezas que descobri visitando a Família Biazon.

O QUE A FAMÍLIA BIAZON
DEIXOU PARA TRÁS

Ao rumar para o Brasil no ano de 1922, fugindo da guerra, Frederico Biazon deixou Veneza carregando o filho Albino com apenas oito anos de idade. A esperança era de viver dias melhores numa terra desconhecida. Frederico sabia que qualquer lugar longe dos desmandos de Benito Mussolini seria melhor.
Bem sei das agruras que Frederico viveu. Ano passado (2009), fui convidado pelo empresário Carlo Coianiz, também imigrante italiano, para escrever suas memórias. Contou-me ele que na Itália, na época de guerra, o pai dele mantinha uma padaria e sempre era "convidado" a empregar partidários de Mussolini em seu estabelecimento. Quem se recusasse atender ao "pedido" era humilhado em praça pública. Colocavam o cano da espingarda na goela do infeliz e despejavam óleo de rícino até que ele evacuasse. Que as famílias eram obrigadas a escrever o nome dos habitantes na porta das casas. Pelotões da SS ou da Gestapo conferiam regularmente e se alguém fosse acusado de luta e morte de um soldado alemão amanhecia dependurado numa cerejeira. Da sacada de seu luxuoso apartamento a beira da praia Carlo contou-me que por varias vezes viu soldados fazerem a dizimação. Levavam as pessoas até a porta do cemitério, separando-as em número de dez e abriam fogo, onde perderam a vida dezenas de inocentes.

Carlo Coianiz viveu na pele o tempo em que os estados fascistas contavam com forte apoio das massas populares, desde cedo levadas a assimilar e respeitar os valores incutidos pela propaganda e pela instrução escolar, ministrados por organizações educativas que exaltavam o nacionalismo e o culto do chefe e da força. Assim, na Itália existiam "Os filhos da Loba", (invocava o mito da fundação de Roma que tem como protagonistas os gêmeos Rômulo e Remo abandonados em um cesto nas águas do Rio Tibre, salvos e alimentados por uma loba), para educação das crianças dos 4 aos 8 anos, os "Balilas", para miúdos dos 8 aos 14 anos de idade, os "Vanguardistas", dos 14 aos 18, e a "Juventude Fascista", para jovens maiores de 18 anos. Na Alemanha, a grande organização juvenil era a "Juventude Hitleriana". Em Portugal havia a "Mocidade Portuguesa".
Na Itália, o fascismo chegou ao poder em 1922, através do Partido Nacional Fascista, de Benito Mussolini. Esta organização viria exercer uma grande influência na formação do Partido Nacional Socialista alemão, que em 1932, liderado por Adolf Hitler que chegava ao poder na Alemanha. Esta ideologia fascista foi bem aceita na Itália, um país que atravessava uma crise econômica e social e ansiava repetir os sucessos de outros tempos, nomeadamente a tentativa de restauração da grandeza do Império Romano. Na Itália, Mussolini concebe o Estado totalitário, dentro de uma doutrina fascista profundamente nacionalista, que exalta a raça italiana pela lembrança de um passado glorioso (o Império Romano) e pela dominação de povos tidos como inferiores através do imperialismo.

MUSSOLINI MARCHAVA PARA
ROMA E FREDERICO BIAZON
PARA O BRASIL

Marcha sobre Roma – É o nome que se dá ao processo decisivo de conquista de poder de Mussolini em 1922. Organizou os “camisas negras” numa marcha até Roma, explorando a fraqueza do governo. O rei Victor Emanuel II recusou-se a decretar estado de sítio, demitiu o primeiro ministro e convidou Mussolini para organizar o novo governo. Os fascistas tomaram o poder sem qualquer resistência. Em 1924, o partido fascista teve 65% dos votos. O deputado socialista Giacomo Matteoti denuncia a fraude eleitoral e é assassinado na cadeia. O fato desencadeou um movimento de contestação, que deu origem às “leis fascistíssimas”.
Leis Fascistíssimas: 1) O Duce (condutor) seria apenas responsável aos olhos do rei, e não mais ao Parlamento; 2) podia legislar por decretos; 3) os ministros seriam apenas consultivos; 4) Imprensa, cinema e rádio seriam censurados; 5) O governo local das províncias é extinto; 6) A oposição é confinada em cadeias; 7) É restabelecida a pena de morte; 8) todos os deputados não-fascistas são expulsos; 9) é aprovada a Carta Del Lavoro, que passa a mediar as relações entre o capital e o trabalho.
Deu no que deu, não sem antes centenas de milhares de vidas serem ceifadas numa guerra sangrenta. Benito Mussolini foi morto ao final de abril de 1945. Ante a derrota total aparente, tentou fugir para a Suíça, porém, foi rapidamente capturado e sumariamente executado próximo ao "Lago de Como" por guerrilheiros(*) italianos. Seu corpo foi então trazido para Milão onde foi pendurado de cabeça para baixo em uma estação petrolífera para exibição pública e a confirmação de sua morte juntamente com sua linda amante, Claretta Petacci.
(*)Mais uma vez pela falta da ação enérgica dos principais da nação italiana foi das camadas mais humildes e humilhadas, que famílias unidas entregaram seus filhos para compor batalhões de insurgentes na luta contra os desmandos de Benito Mussolini e muitas vidas se afogaram em rios de sangue.
Há duas décadas entrevistei um ex-pracinha da FAB - Força Expedicionária Brasileira que participou da tomada de Monte Castelo, na Itália que exibiu-me uma fotografia em preto e branco que ele comprou em Milão, mostrando os corpos de Mussolini e da amante, com a seguinte inscrição "A JUSTIÇA FOI FEITA".

DECISÃO ACERTADA:
FAMÍLIAS BIAZON E MATIUZZI
FINCAM RAÍZES NO BRASIL

Decisão mais que acertada tomada pelas famílias Biazon e Matiuzzi de imigrarem para o Brasil. Aqui o pai de Albino Biazon trabalhou duro lavrando a terra na região de Arapongas, PR, onde se sagrou próspero cafeicultor, livrando seus descendentes das agruras da guerra e permitindo que eles também prosperassem em terras brasileiras. Vale lembrar que Albino passou a infância e juventude em Arapongas, PR, e só saiu de lá devido a reviravolta ocorrida com queda no preço no mercado internacional da saca do café. Chegando a Santo André ele ingressou na Rhodia Química, onde trabalharam também vários de seus irmãos; em seguida montou um mercadinho, atividade que manteve por vinte anos. Marceneiro e construtor requisitado, segundo Luiza, Albino sabia um pouco de tudo, um perfeito engenheiro-inventor. "Até chuveiro elétrico papai fazia! Nossa casa estava sempre cheia de gente encomendando algum móvel ou objeto de uso doméstico" – conta, orgulhosa.
Luiza Biazon, que chegou a Santo André com apenas 20 dias de nascida, também prosperou. Bacharel e pós-graduada em Letras, atuou como secretária executiva da Diretoria da Eluma em Santo André. Ainda trabalha como secretária free-lancer para um executivo paulista, três dias por semana, cuidando de sua sua agenda e compromissos. Albino Biazon e esposa Maria Matiuzzi (filha de José Matiuzzi e Augusta De Nadai), tiveram sete filhos, a saber 1º Leonildo (in memorian), 2º Deolindo, 3º Joaninha, 4º Walter, 5º Nivaldo (in memorian), 6º Luiz, 7º Luiza e 8º Pedro. Luiz e Luiza residem com a mãe. O patriarca faleceu há dez anos, de infecção hospitalar. Sua esposa, atualmente com 85 anos, reside a Rua Apiaí, 801, Vila Curuçá - Santo André. A propriedade dos Biazon pode ser chamada de mini-fazenda. Ocupa terreno de 10 metros de frente por sessenta de fundos. Parte da área foi reservada para o salão, que antes abrigava o mercadinho e na parte de trás, a residência. Amante do verde e dos animais, Albino Biazon reservou o restante da área preenchendo-a com pés de acerola, maracujá, carambola, horta, galinheiro, fogão, forno a lenha, galpão para churrasco e cômodo para guardar suas ferramentas, tudo cercado por muito verde. Uma grave infecção hospitalar cuidou para que este imigrante italiano não permanecesse mais tempo entre nós, mas a grata lembrança por parte dos filhos, parentes, esposa e centenas de amigos, prossegue reverenciando sua memória.

Pelo rastro deixado e ações praticadas, desde sua partida, com certeza as festas lá no céu nunca mais foram as mesmas, pois lá está Albino Biazon com sua criatividade deixando tudo nos trinques.

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Antonio Devanir Leite
Jornalista: MTB 33.999
antoniodevanir@uol.com.br