quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A última viagem de táxi (autoria: DON RICO*)





Numa homenagem ao Dia dos Avós (26 de julho) e o Dia Internacional do Idoso (1º de outubro), segundo o calendário de celebrações especiais das Nações Unidas,  o Jornal Integração tem a honra de poder contar uma história real, registrada em Cartório sob o nº 493.448, livro C-100, Cartório Massote,  Contagem/MG:

Relatos de um ex-taxis­ta

Houve um tempo em que eu ganha­va a vida como moto­ris­ta de táxi. Os pas­sa­gei­ros embar­ca­vam total­men­te anô­ni­mos. E, às vezes, me con­ta­vam epi­só­dios de suas vidas, suas ale­grias e suas tris­te­zas...
Encontrei pes­soas que me sur­preen­de­ram. Mas, NENHU­MA como aque­la da noite de 25 para 26 de julho do últi­mo ano em que tra­ba­lhei na praça!
Havia rece­bi­do já tarde da noite, uma cha­ma­da vinda de um peque­no pré­dio de tijo­li­nhos, em uma rua tran­qüi­la do subúr­bio de Belo Horizonte, capi­tal das Minas Gerais. 
Quando che­guei ouvia latidos de cachorros ao longe. O pré­dio esta­va às escu­ras, com exce­ção de uma única lâm­pa­da acesa numa jane­la do tér­reo.
Nestas cir­cuns­tân­cias, ­outros ­teriam buzi­na­do duas ou três vezes, espe­ra­riam só um pouco e, então, iriam embo­ra.
Mas, eu sabia que mui­tas pes­soas depen­diam de táxis como único meio de trans­por­te a tal hora. 
A não ser, por­tan­to, que a situa­ção fosse cla­ra­men­te peri­go­sa, eu sem­pre espe­ra­va...
"Este pas­sa­gei­ro pode ser ­alguém que   neces­si­ta de ajuda", pen­sei. 
Assim,  fui até a porta e bati. 
"Um minu­ti­nho", res­pon­deu uma voz débil e idosa. 
Ouvi algu­ma coisa ser arras­ta­da pelo chão... 
Depois de uma pausa longa,  a porta abriu-se. Vi-me então dian­te de uma senho­ra bem idosa, peque­ni­na e de frá­gil apa­rên­cia!
Usava um ves­ti­do estam­pa­do e um cha­péu bizar­ro, daque­les usa­dos pelas senho­ras ido­sas nos fil­mes da déca­da de 40! E se equi­li­bra­va numa ben­ga­la, enquan­to segu­ra­va com difi­cul­da­de uma peque­na mala...
Dava para ver que a mobí­lia esta­va toda cober­ta com len­çóis.  Não ­havia reló­gios, rou­pas ou ador­nos sobre os ­móveis. Num canto jazia uma caixa aber­ta com foto­gra­fias e ­vidros...
A velha senho­ra, esbo­çan­do então um tími­do sor­ri­so de quem havia já per­di­do todos os den­tes, pediu-me:
- “O ­senhor pode­ria me aju­dar com  a mala?”
Eu ­peguei a mala e aju­dei-a cami­nhar len­ta­men­te até o carro. E enquan­to se aco­mo­da­va ela ficou me agra­de­cen­do...
- "Não é nada, ape­nas pro­cu­ro tra­tar meus pas­sa­gei­ros do jeito que gos­ta­ria que tra­tas­sem minha velha mãe...” 
-" Oh! Você é um bom rapaz!"
Quando embar­ca­mos, deu-me um ende­re­ço e pediu: 
-"O ­senhor pode­ria ir pelo cen­tro da cida­de?" 
-" Este não é o tra­je­to mais curto", aler­tei-a pron­ta­men­te. 
-" Eu não me impor­to... Não estou com pres­sa... Meu des­ti­no é o últi­mo! O asilo dos ­velhos..."
Surpreso, eu olhei pelo retro­vi­sor.
Os olhos da velhi­nha bri­lha­vam mare­ja­dos... 
-" Eu não tenho mais famí­lia e o médi­co me disse que tenho muito pouco tempo..."
Disfarçadamente des­li­guei o taxí­me­tro e per­gun­tei:  
-"Qual o cami­nho que a senho­ra dese­ja que eu tome?"
Nas horas seguin­tes nós diri­gi­mos por toda a cida­de. Ela mos­trou-me o edi­fí­cio na Praça 7 em que havia, em certa oca­sião, tra­ba­lha­do como ascen­so­ris­ta... 
Nós pas­sa­mos pelas cer­ca­nias em que ela e o espo­so ­tinham vivi­do como recém-casa­dos.
E também pela Igrejinha de São Francisco, na Pampulha, onde come­mo­ra­ram  Bodas de Ouro!
Ela me pediu que pas­sas­se em fren­te a uma loja de ­móveis na ­região da Praça da Liberdade, que havia sido um gran­de salão de dança que ela fre­qüen­ta­ra quan­do moci­nha! 
De vez em quan­do, pedia-me para diri­gir vaga­ro­sa­men­te em fren­te a um edi­fí­cio ou esqui­na.  Era quan­do fica­va então com os olhos fixos na escu­ri­dão, sem dizer nada... E olha­va. 
Olhava e sus­pi­ra­va...
E assim roda­mos a noite intei­ra...
Quando o pri­mei­ro raio de sol sur­giu no hori­zon­te, ela disse de repen­te: 
"Estou can­sa­da... e pron­ta! Vamos agora!" 
Seguimos, então, em silên­cio, para o ende­re­ço que ela havia me dado.
Chegamos a um pré­dio rodea­do de árvo­res, uma peque­na casa de repou­so.
Dois aten­den­tes cami­nha­ram até o taxi, assim que para­mos.  Eram amá­veis e aten­tos e logo se acer­ca­ram da velha senho­ra, a quem pare­ciam espe­rar. 
Eu abri o porta-malas do carro e levei a peque­na vali­se até a porta. A senho­ra, já sen­ta­da em uma cadei­ra de rodas, per­gun­tou-me então pelo custo da cor­ri­da.
Quanto lhe devo?", ela per­gun­tou, pegan­do a bolsa.
 - "Nada!", eu disse.
- "Você tem que ­ganhar a vida, meu jovem”
- " Há ­outros pas­sa­gei­ros", res­pon­di.
Quase sem pen­sar, cur­vei-me e dei-lhe um abra­ço. Ela me envol­veu como­vi­da­men­te e devol­veu-me com um beijo afe­tuo­so e reple­to da mais pura e genuí­na gra­ti­dão! 
E disse:
-"Você deu a esta velhi­nha bons momen­tos de ale­gria, como não tinha há tanto tempo... Só Deus é quem sabe o quan­to você  fez por mim! Obrigada, MEU AMIGO! Mil vezes obri­ga­da!” 
Apertei sua mão pela últi­ma vez e cami­nhei no lusco-fusco da alvo­ra­da sem olhar para trás, pois as lágri­mas cor­riam-me abun­dan­tes pela face...
Atrás de mim uma porta foi fecha­da. 
Era o som do tér­mi­no de uma vida... 
Naquele dia não ­peguei mais pas­sa­gei­ros. 
Dirigi sem rumo, per­di­do nos meus pen­sa­men­tos. Mal podia falar.
Dois dias ­depois, tomei cora­gem e vol­tei no asilo para ver como esta­va a minha mais nova amiga.
Dis­se­ram-me, então, que na noite ante­rior ador­me­ce­ra para sem­pre, em paz e feliz...
E ­fiquei a pen­sar, se a velhi­nha tives­se pego um moto­ris­ta mal-edu­ca­do e rai­vo­so...
Ou, então, algum que esti­ves­se ansio­so para ter­mi­nar seu turno...
Oh, Deus! E se eu hou­ves­se recu­sa­do a cor­ri­da? Ou tives­se buzi­na­do uma vez e ido embo­ra?... 
Ao relem­brar, creio que eu ­jamais tenha feito algo mais impor­tan­te na minha vida, até então!
Em geral nos con­di­cio­na­mos a pen­sar que nos­sas vidas giram em torno de gran­des momen­tos. 
Todavia,  os GRAN­DES MOMEN­TOS fre­qüen­te­men­te nos pegam des­pre­ve­ni­dos e ficam guar­da­dos em recan­tos que quase todo mundo con­si­de­ra sem impor­tân­cia... quan­do nos damos conta... já pas­sou.
AS PES­SOAS PODEM NÃO LEM­BRAR EXA­TA­MEN­TE O QUE VOCÊ FEZ, OU O QUE VOCÊ DISSE... 
MAS, ELAS SEM­PRE LEM­BRA­RÃO COMO VOCÊ AS FEZ SEN­TIREM-SE.
POR­TAN­TO,  VOCÊ  PODE
FAZER A DIFE­REN­ÇA!
PENSE NISTO!!!
OS IDO­SOS DE HOJE, SOMOS NÓS AMA­NHÃ!

 (*) LUIZ ANTONIO RASSELI (Don Rico),  nascido em Vitória, capital do Espírito Santo, em 20 de junho de 1951, é filho de Juliano Flores Rassele e Herminia Batisti Rassele, neto de Antonio Rassele e Amabile Cetto, por parte de pai, e de Giuseppe Batisti e Rosa Lodi, por parte de mãe. Casado com Dona Lúcia dos Reis Machado Rasseli desde 1977 e não tiveram filhos. Cursou o primário no Grupo Escolar Gomes Cardim, e o ginasial no Colégio Nossa Senhora da Penha, dos irmãos Maristas, em Vila Velha/ES. Em 1965 tirou o primeiro lugar em concurso literário de âmbito estadual, promovido pela Editora Norma. Data dessa época o primeiro ensaio em forma de romance, obra ainda inédita sob o titulo Quatro e as tentativas iniciais em poesia. Como preparativo para o Curso Superior, fez o antigo Curso Clássico nos Colégios Americano e Salesiano, de Vitória. É diplomado pelo Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo na turma de 1974, valendo destacar que desta Turma saíram também muitos outros ilustres cidadãos de renome nacional. Não por nada é, pois, a UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) considerada até hoje celeiro de grandes brasileiros. Luiz Antonio Rasseli fez cursos especiais também no Centro Internacional de Marketing, Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e Convivium (Centro de Estudos do Desenvolvimento). Possui cursos de especialização em Direito Empresarial, Marketing, Relações Públicas, Relações Industriais, Administração de Pessoal, Administração de Produção e Administração Financeira. Quando ainda jovem e solteiro, exerceu funções de relações públicas, intérprete, supervisor de vendas, analista de mercado e guia de turismo. De 1972 em diante abandonou todas essas atividades para dedicar-se aos estudos concernentes ao Direito, especialmente ao Direito Civil, Internacional, Marítimo e Comercial. E nunca deixou de concorrer aos concursos literários a que teve oportunidade. O que lhe valeu, por exemplo, o sétimo lugar no Concurso Nacional sobre Santos Dumont RN e a Aviação Nacional, com o ensaio Prêmio Centenário Santos Dumont RN. Participa continuamente de seminários e conferências jurídicas, e profere  palestras, mormente sobre Mar Territorial. Desde 1974 até fim dos Anos Oitenta militou nos Fóruns do Espírito Santo. E, depois, dai em diante em Minas Gerais. Atualmente, além de Advogado, Luiz Antonio Rasseli é Escritor, Historiador, Delegado do Instituto Cultural Artístico e Literário Alceu Wamosy, e também Imortal como Membro da Academia Porto-Alegrense de Letras, onde ocupa a Cadeira do Padre José de Anchieta. Como Empresário ocupa desde 1990 a função de Diretor-Presidente do Grupo Prosperidade, fabricante de dedos depenadores de aves da reconhecida marca “PROSPERIDADE”®. E desde muito jovem voltou-se para os estudos de assuntos do mar, que o conduziram a escrever o seu Livro MAR TERRITORIAL DE 200 MILHAS, resultado de anos de pesquisas e estudos afanosos. Tem inéditos ainda, dentre outros, O Brasil e a Aviação, Cartas em Trovas, A América do Sul que Conheci e diversos ensaios, estes ainda sem títulos. Além do seu MAR TERRITORIAL DE 200 MILHAS, Livro no qual estão baseados todos os artigos da Constituição Federal de 1988 que versam sobre a soberania territorial marítima brasileira, o Dr. Rasseli tem publicados ainda a Oração do Cachorro, Carta Aberta aos 185 Milhões de Brasileiros e a internacionalmente renomada ÚLTIMA VIAGEM DE TÁXI, uma história verídica ocorrida com o próprio autor em Belo Horizonte, MG, no final dos Anos Oitenta, já traduzida para vários idiomas e que em breve também estará sendo imortalizada em filme.

2 comentários:

Unknown disse...

Esta Historia me comoveu bastante até chorei, eu como táxi e Belo Horizonte tenho pego passageiro com historia muito interessante mas como esta fiquei bastante comovido.A praça nus ensina muito a viver.

ha disse...

Comovente história! Parabéns pela singela pureza de sentimentos.Magnífico encontro.Abraços Maria Izabel Cetto